Artigo escrito por: Vítor Mota
.Mais frequente do que gostaríamos, ouvimos alguém queixar-se do mau humor do empregado de mesa ou do serviço público; talvez até já tenha acontecido consigo. A questão é, quantos de nós pedimos o café depois de dizer “bom dia”? E/ou colocamos um sorriso para nos dirigirmos à pessoa? Esperamos boa disposição estando “de cara trancada”?
Num mundo cada vez mais acelerado, cheio de estímulos, metas e urgências, raramente temos tempo para sorrir ou olhar “o outro”. Nunca pensamos no que realmente sustenta os vínculos que temos, social ou profissionalmente. Não é o tempo de convivência que está em causa, nem a frequência dos contactos, mas algo mais subtil e essencial - a reciprocidade.
Naturalmente, não aparece nos contractos, não é cobrada em voz alta, mas está presente, mesmo quando aparentemente não existe, em cada gesto, palavra, silêncio ou resposta. É, no âmago, o fluxo de reconhecimento mútuo entre duas pessoas, ou da sua ausência. Quando acontece em medidas diferentes vai debilitar a relação, sucessivamente, e inviabilizar a continuidade da sã convivência.
É claro que não existe uma conta-corrente emocional onde se registam, com datas e números, o deve e o haver da reciprocidade. Não se trata de “eu fiz, agora é a tua vez”.
O que acontece é que a reciprocidade está sempre subjacente, de maneira natural, em absoluto silêncio. Na conversa, no SMS ou no email. O amigo que liga só para saber como estamos; o colega que apoia sem ser preciso pedir; o “gesto” que diz: “você é importante”; pela positiva. Pela negativa, a não resposta a uma mensagem, verbal ou não, e que vai erodindo a relação.
É nesse “interlúdio” que as relações florescem. Seja na vida pessoal ou profissional, constroem-se vínculos saudáveis se, e só se, existe uma troca afectiva justa; mesmo que descompassada no tempo. Umas vezes damos mais; outras recebemos mais. O que importa é o sentimento de equilíbrio ao longo do caminho. Quando o desequilíbrio surge, a relação esmorece.
Aparece em pequenos actos do quotidiano, como uma escuta atenta, um olhar sincero ou uma ajuda atempada. Quando apenas um lado sustenta a relação, ela torna-se pesada. O dar vira cobrança, a dedicação vira frustração. Já quando há reciprocidade, cria-se um solo fértil para a confiança, o apoio e o crescimento mútuo.
E o contrário também é verdadeiro: quando não há retorno, seja em forma de escuta, valorização ou apoio, instala-se o desgaste, o cinismo e o distanciamento. Estamos perto do fim.
No ambiente profissional, reciprocidade é o que transforma grupos em verdadeiras equipas, colectivos fortes. Não se trata apenas de trocar favores, mas de cultivar um ambiente onde colaboração e ajuda circulam e o reconhecimento é prática. O líder que valoriza as pessoas, o colega que partilha conhecimento, a cultura que reconhece esforços; tudo isto são manifestações de reciprocidade saudável, na organização.
Nem sempre conseguimos retribuir na mesma intensidade ou no mesmo momento. Isso é natural. O problema está na assimetria constante, em dar sem ser visto, doar-se sem retorno, receber sem reconhecer, pedir sem valorizar.
Perguntemo-nos, então:
Estou presente para quem importa?
Tenho recebido na medida do que cultivo?
As minhas relações são pautadas por trocas saudáveis ou por expectativas silenciosas?
Devemos praticar a reciprocidade, em modo atento. Sair do automatismo. Perceber o outro e a nós mesmos, com afecto e honestidade. Mais do que uma regra de convivência, a reciprocidade deve ser uma forma de viver em consciência, humanidade e respeito.
Afinal, poucas coisas são tão transformadoras quanto sentir que aquilo que damos encontra eco em quem recebe e que aquilo que recebemos nasce de um gesto genuíno.
Amity itself can only be maintained by reciprocal respect, and true friends are punctilious equals.
- Herman Melville (Autor de Moby Dick)